O cotidiano das periferias nas fotos do DiCampana Foto Coletivo
Por Everyday Brasil Fotos DiCampana Foto Coletivo
DiCampana é um estado: o estado de atenção de quem observa e está pronto para intervir, nesse caso, com os disparos da câmera fotográfica.
O DiCampana Foto Coletivo, que, a princípio, era formado por cinco membros, hoje conta com três fotógrafos na atividade (José Cícero da Silva, Léu Britto e Gsé Silva), todos moradores da periferia de São Paulo. O Coletivo nasceu em 2016, somando-se ao movimento de coletivos fotográficos que surgiram a partir de 2013, com a onda de protestos pelo país.
A ideia nasceu de um desejo comum entre eles, ou seja, o de documentar o cotidiano das periferias, que é também o deles, mas é pouco mostrado pela imprensa tradicional e acontece organicamente dentro do dia a dia de quem mora ali. “A gente não sai com uma pauta na cabeça, já está tudo no nosso caminho”, explica José.
A periferia é, comumente, relacionada à questão da violência, principalmente em função do que é divulgado pelos meios de comunicação, o que resulta em uma visão unilateral sobre um ambiente onde a vida acontece para além dos pontos negativos.
A intenção dos três fotógrafos não é omitir as mazelas das periferias ou fazer de conta que estas não existem, mas colocar em evidência a vida que ali pulsa, o cotidiano dentro da normalidade de crianças brincando na rua, moradores em seu lazer, trabalhadores e trabalhadoras cumprindo suas rotinas. A fotografia, neste caso, é usada como um instrumento poderoso para construir um outro imaginário sobre a periferia.
Com a intenção de documentar o maior número de favelas da cidade de São Paulo (até agora foram cerca de 50), trabalhando temáticas presentes, como as das crianças, dos trabalhadores, dos animais que circulam entre os becos e vielas, entre outras, o Coletivo está desenvolvendo um banco de imagens que ficará disponível em um site e funcionará, também, como um acervo, e poderá servir, eventualmente, para a comercialização dessas imagens. “Inicialmente, nossa intenção nunca foi vender uma foto ou pensar nisso como um produto, vamos pensando sobre os caminhos do DiCampana conforme as demandas vão surgindo.”, conta José.
Sobre essas demandas, os fotógrafos citam o primeiro grande projeto no qual atuaram enquanto Coletivo. Em parceria com a Seja Digital, ONG responsável pela transição do sinal analógico da TV para o digital, produziram imagens sobre a relação das pessoas com a televisão e a importância que a mesma tem na vida delas. O trabalho, que levou o nome de “Transição Digital” “A Relação da Periferia com a TV em São Paulo”, foi apresentado em uma exposição na DOC Galeria, em 2017, com direito a show do Mano Brown e a presença dos fotografados no lançamento, que foram levados em Vans até a galeria. A exposição rodou por um ano em algumas cidades do interior e deve ser levada, em breve, para as periferias.
“Geralmente, o pessoal vem até o DiCampana porque visualiza na gente uma função social dentro da quebrada. Quando pensam em trabalhos que se aproximam da periferia, o nosso nome geralmente é lembrado”, conclui Léu.
Sobre como as pessoas das comunidades onde vivem e fotografam enxergam o trabalho que eles vêm fazendo, consideram ser este um processo que ainda está sendo construído. Acreditam que a fotografia ainda é uma linguagem muito distante e elitizada, não tendo, para muita gente, um valor artístico ou informativo. “É um processo de formação para nossa quebrada e também para nós”, afirma José.
Por outro lado, não imaginavam que existiria tanta gente interessada em fotografia nas periferias. Logo no início do Coletivo, muitas pessoas entraram em contato pela página do Facebook, interessadas em publicar suas próprias fotos, fazer parte do DiCampana ou convidar os fotógrafos para fotografar outras quebradas.
É muito discutida a questão do olhar de quem fotografa um ambiente que lhe é familiar do de um outro, que apenas freqüenta o espaço eventualmente. Para o DiCampana, acreditar que quem está habituado a um lugar tem mais propriedade do que quem vem de fora é um pensamento equivocado que limita demais o trabalho do(a) fotógrafo(a). Na opinião deles, isso depende unicamente da sensibilidade de cada fotógrafo(a) e da disposição de se conectar, ao máximo, com o ambiente a ser fotografado, seja ele qual for. Admitem que a intimidade que têm com a periferia conta a seu favor, mas isso não é um fator determinante na hora de fotografar.
Os fotógrafos, que já se conheciam antes de formarem o DiCampana, atuam individualmente como profissionais da fotografia e também como educadores em oficinas de fotografia e vídeo para jovens. Com o Coletivo, a pretensão é fotografar também a periferia de outras cidades, o que já fazem, eventualmente, quando viajam para outros lugares. Quanto a agregar outros fotógrafos, em outras cidades ou mesmo em São Paulo, acreditam que ainda não é o momento, e entendem que a fotografia só tem a ganhar se tiver cada vez mais gente produzindo e criando seus próprios rolês.
Ao perguntar ao Léu sobre seu aprendizado nesse período quem vem fotografando pelo DiCampana, ele cita Sabotage e diz que a favela é um bom lugar, principalmente pelas pessoas. “Me despertou isso, de que o cotidiano da periferia é muito rico. Isso que o Rap exalta, e também denuncia, pra mim ficou claro, a periferia tem seu lado vivo, bom e real, que está longe das páginas policiais”, afirma.
Para saber mais sobre o trabalho do DiCampana Foto Coletivo: https://www.instagram.com/dicampanafotocoletivo/
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